====== Partição de variação: uma espécie ====== Os três parâmetros estruturais básicos das comunidades são a riqueza, composição e abundância (de espécies, tipos funcionais, linhagens ...). Podemos tentar entender as comunidades analisando cada uma de suas partes (por exemplo as populações de cada espécie) ou podemos tentar analisar o conjunto de espécies como um todo. Uma das abordagens da ecologia de comunidades é buscar regularidades nestes parâmetros estruturais, e propor explicações para eles. Neste roteiro vamos aprender uma das ferramentas estatísticas usadas para isto, chamada partição de variação. Aqui vamos analisar a estrutura espacial da abundância de uma espécie fictícia. Começamos com apenas uma espécie porque isso facilita entender os cálculos e suas interpretações. No roteiro seguinte mostraremos como a partição pode ser generalizada para descrever padrões conjuntos de abundância de muitas espécies. ===== Importando os dados para o R ===== Para começar, copie para sua pasta de trabalho o arquivo com os dados que vamos usar: * {{:2018:roteiros:roteiro1.csv|roteiro1.csv}} Agora vamos importar para o R os dados que você gravou em seu diretório. Para isso copie o comando abaixo, cole na linha de comando do R e pressione "enter": dados <- read.csv2("roteiro1.csv") Se não houve nenhuma mensagem de erro agora você tem no R uma tabela com 100 linhas e três colunas, que explicaremos a seguir. Se quiser verificar se a tabela foi importada, você pode usar os comandos seguintes para mostrar suas primeiras e últimas linhas: head(dados) tail(dados) ===== Em busca de uma estrutura ===== A abundância de uma espécie pode variar muito, no tempo e no espaço. A pergunta fundamental aqui é o que causa essa variação. A partição de variância é um método para avaliar o quanto da variação de uma quantidade pode ser atribuída à variação de uma outra quantidade. Usamos este método, por exemplo, para avaliar se é plausível que a abundância de uma planta em uma área varie em função da variação de um fator ambiental. ==== Um padrão ==== Vamos aos nossos dados, para deixar mais concreto. A figura abaixo representa uma parcela permanente, que foi dividida em 100 quadrados. Em cada quadrado foram contados todos os indivíduos de //Non illum//, uma erva daninha invasora. A abundância da planta por quadrado vai de dois indivíduos (cinza claro) até 41 indivíduos (cor preta). {{ :2018:roteiros:mapas_single1.png }} ==== Uma hipótese: variação ambiental ==== Percebendo a concentração de plantas no canto superior direito da parcela, uma ecóloga propôs a hipótese de que a planta tem uma associação com solos menos ácidos. Ela chegou a essa hipótese porque havia medido o pH do solo superficial em cada parcela, o que usou para fazer o mapa a seguir (à direita). Neste mapa, cores claras são valores mais baixos de pH e cores escuras valores altos. {{ :2018:roteiros:mapas1.png }} Parece razoável? Para avaliar melhor isto vamos fazer um gráfico da relação entre a abundância da planta e o valor do pH em cada parcela. Já importamos esses dados para o R na seção anterior, então temos só que dar o comando que cria o gráfico: plot(abund ~ pH, data = dados) O gráfico sugere que a abundância da planta é proporcional ao pH. Se isso é verdade, deve haver uma linha reta que aproxime bem essa relação. A **regressão linear** é uma técnica estatística para encontrar essa reta. Execute no R o comando para ajustar a regressão da abundância em função do pH: regr.pH <- lm(abund ~ pH, data = dados) E adicione a linha da regressão ao seu gráfico com o comando abaixo: abline(regr.pH) ==== A variação explicada pela hipótese ==== A regressão linear nos retorna muita informação importante sobre a relação que hipotetizamos. A que mais nos interessa agora é o **coeficiente de determinação**, expresso pela sigla $R^2$. Este coeficiente expressa a proporção da variação total da variável resposta (a abundância, no caso) que é "capturada" ou "explicada" pela variação da variável explanatória (o pH, no caso). Para entender o $R^2$ veja [[2018:roteiros:ec_r2|o roteiro sobre coeficiente de determinação]]. Para obter o $R^2$ da regressão que ajustamos acima basta o comando((com este comando também estamos guardando o valor obtido em um objeto chamado ''X'')): (X<-summary(regr.pH)$r.squared) O que mostra que 68,6% da variação da abundância da espécie é explicada por uma relação linear com o pH do solo superficial. ==== Outra hipótese: limitação à dispersão ==== Uma outra ecóloga sabia que a invasão por //Non illum// era recente e havia começado pelo canto superior direito da parcela por sementes trazida acidentalmente por tucanos, que desapareceram em seguida ((ao que parece tucanos e patos amarelos dispersam apenas uma vez as sementes, pois morrem envenenados por elas)). A ecóloga então propôs que quadrados mais distantes do ponto de entrada tiveram menor chance de serem colonizados. Essa hipótese propõe que a variação observada na abundância dessa planta na parcela é resultado apenas da limitação à dispersão. A ecóloga criou então um mapa para expressar sua hipótese. Neste mapa (à direita) os quadrados com maior chance de receber propágulos estão em tons mais escuros: {{ :2018:roteiros:mapas2.png }} Esse mapa é construído atribuindo um valor a cada quadrado, que deve expressar um índice de abundância esperada, relativa aos demais quadrados. No caso, esse índice pode ser interpretado como proporcional à probabilidade de estabelecimento de um propágulo. A limitação à dispersão se expressa pelo arranjo espacial de áreas com alta e baixa probabilidade de estabelecimento, de acordo com algum modelo de dispersão ou estabelecimento. Nesse caso o modelo é bem simples: quanto mais distante do vértice superior direito, menor a chance de estabelecimento. Por isso vamos chamar o índice usado para construir o mapa de **variável de estrutura espacial**. Compare o mapa da direita com o mapa de variação da abundância da planta (esquerda). Será que a limitação à dispersão proposta é uma boa hipótese? Para ajudar, faça o gráfico da abundância em função da variável de estrutura espacial (que estão na coluna chamada "space" na nossa tabela de dados), utilizando o comando: plot(abund ~ space, data= dados, xlab = "Variável de estrutura espacial", ylab= "Abundância de N. illum") ==== Teste da hipótese de limitação à dispersão ==== Para testar esta nova hipótese ajustamos a regressão da abundância em função da variável espacial: regr.space <- lm(abund ~ space, data = dados) E podemos adicionar a linha da regressão ao gráfico: abline(regr.space) ==== Variação explicada pela hipótese de limitação à dispersão ==== Agora, vamos obter a fração da variação da abundância explicada pela variável espacial utilizando o comando que já conhecemos, aplicado ao objeto "regr.space" que tem os resultados da regressão. Vamos guardar esse valor no objeto "W": (W <- summary(regr.space)$r.squared) ===== Partição da variação entre ambiente e espaço ===== Resumindo o que encontramos até aqui: uma variável ambiental (pH) explica 68,6% da variação da abundância da espécie. Mas uma variável de estrutura espacial explica 49,2% desta mesma variação. Como é possível que a soma dos percentuais de variação explicada passe de 100% ? 8-O A resposta é que há uma relação entre o pH e a variável de estrutura espacial: plot(pH ~ space, data = dados, xlab = "Variável de estrutura espacial") O que significa que **a variável ambiental tem uma estrutura espacial**, que é bem descrita pela estrutura espacial proposta pela segunda hipótese. Assim, a variação explicada pelo pH contém uma parte de efeito espacial. Da mesma forma, uma parte da variação explicada pela variável espacial contém efeito do pH. A essa parte da variação compartilhada chamamos **variação ambiental estruturada no espaço**. No esquema abaixo essa parte da variação explicada é o componente $b$. {{ :2018:roteiros:particao.png }} O círculo da esquerda representa a variação explicada por uma variável $X$, no caso a variável ambiental. Vemos que a variação explicada por $X$ é a soma do mesmo componente compartilhado $b$ com um componente $a$ que chamamos **fração de variância explicada apenas pelo ambiente**. Da mesma forma, o círculo da direita representa a variação explicada por uma segunda variável $W$, no caso o espaço. Vemos que $W$ é formado pelo componente compartilhado com a outra variável ($b$) e por uma outra fração $c$, que chamamos de **fração de variância explicada apenas pelo espaço**. Por fim, a variação total é representada pelo retângulo. A parte não coberta pelos círculos é a variação que não é explicada por nenhuma variável, indicada por $d$. ==== Variação não explicada ==== A variação não explicada por nenhuma variável é obtida a partir de uma regressão que inclui todas as variáveis (no nosso caso, pH e estrutura espacial): regr.tudo <- lm(abund ~ pH + space, data = dados) Da qual podemos obter a variação explicada pelo pH e pela variável espacial juntas: summary(regr.tudo)$r.squared Esta quantidade corresponde a $a+b+c$ no diagrama acima, que vamos chamar de $XW$. Sabendo que $$a+b+c+d\ = \ XW + d \ = \ 1$$ temos então que $$d = 1 - XW$$ e assim, obtemos $d$ subtraindo de um (1,0) o valor calculado acima (d <- 1 - summary(regr.tudo)$r.squared) ==== Juntando as peças ==== Agora temos todas as peças que precisamos para calcular como a variação da abundância de //Non illum// pode ser particionada entre os componentes do diagrama acima: $$ \left\{ \begin{array}{l} a + b = X \\ c + b = W\\ a + b + c = 1 - d \end{array} \right. $$ O que implica em $$ d + X + W -1 = b$$ Usando os valores que já calculamos e guardamos no R temos então: **Fração devido a espaço e pH ($b$)** (b <- X + W + d - 1) **Fração devido apenas a pH ($a$)** (a <- X - b) **Fração devido apenas a espaço ($c$)** (c <- W - b) **Fração não explicada ($d$)** d =====Conclusão===== ===A pergunta sobre a vida, o universo e tudo mais=== Qual hipótese tem mais apoio dos resultados?